sábado, 28 de maio de 2016

Crônica- Linha 63

Mirela voltava todos os dias de ônibus para casa, porque ela basicamente estudava do outro lado da cidade. Era quase sempre o mesmo roteiro, mas aquele dia em particular a marcou. Esperara no ponto até 12:30. Espremeu-se igual a uma sardinha até que o ônibus parasse no terminal mais próximo, foi quando enfim conseguiu um lugar para sentar.
Pelos próximos quinze minutos apenas apreciou a paisagem das pessoas, uma mais diferente do que a outra. Encontrou de tudo, de uma senhora com o aparelho de audição desregulado a um casal apaixonado.  Algumas pessoas estavam ansiosas e sérias, prontas para ir trabalhar ou malucas para chegar em casa. Tinha uns dois que comiam uma paçoca e sorvete, tranquilamente, sem preocupações. E claro, tinha ela.
Mirela estava apenas sendo ela: observadora. E enquanto fazia isso sua mão agitada arranhava as unhas na calça, quem a visse juraria que estava nervosa. Foi então quando o ônibus parou em um ponto bem cheio e entraram muitas pessoas. Logo que viu uma senhora, ela se levantou e cedeu o lugar. Já em pé avistou um amigo sinalizando à uma senhora para sentar, mas pelo visto ele não foi muito bem entendido, porque esta se afastou gritando tarado! Mirela debulhou a rir.
Não estava tão longe do seu destino, pelas suas contas eram apenas mais cinco ou seis quadras. Enquanto não chegava lá cantarolava algo em sua cabeça, talvez Madonna ou  Beyoncé, mas ainda acho que seria U2. Ou algo mais para Coldplay. Ou ainda quem sabe uma mistura disso tudo. Foi uma música tão envolvente que quando se deu conta o ônibus estava passando pelo seu lugar de parada. Ela puxou a cordinha, mas não dava mais tempo, teve que esperar pelo próximo ponto.
Quando desceu estava muito agitada, não acreditava em sua distração. Agora teria de andar mais três quadras. Chamou-se de burra até chegar em casa e se estirar no sofá. Almoçou e meia hora depois ligou a TV para ver o jornal. O jornal local falava de um assalto terminado em morte naquele mesmo dia. Não disseram nome da vítima nem idade, apenas mencionaram que ela tinha acabado de descer do ônibus quando fora abordada por dois marginais que tentaram assaltá-la, mas pela negativa se assustaram e acabaram disparando a arma, uma 38, para ser mais específica.
Ela colocou a mão na barriga, seu estômago revirara, seria indigestão? Ou o sentimento conflitante de saber que alguém que estivera no mesmo ônibus que ela morrera? Podia ser a senhora da audição, o casal, a senhora para quem cedera lugar, o conhecido, alguém ansioso para chegar em casa e que nunca chegaria. Podia ser qualquer um!

A linha 63 a proporcionou vários aprendizados como ser humano. Várias paisagens de pessoas e realidades. Mas acima disso tudo, lhe proporcionara humanidade. Aquilo mudaria para sempre sua visão de mundo, sua visão de gente, de vida e de morte também... Ah e só para constar, quem fora morto era uma mulher quem Mirela sequer tinha prestado atenção, ela era só mais uma na sociedade, não é mesmo?
Giovana de Carvalho Florencio

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